sábado, 6 de março de 2010

SERÁ QUE O ACÓRDÃO DO “SUPREMO” PÕE EM CAUSA A SENTENÇA DO JUIZ DIMAS MARÔA?

Maputo tem sido palco dos mais acesos debates em torno da sentença proferida no caso “Aeroportos de Moçambique”, particularmente no que tange a aplicabilidade da Lei nº 1/79, de 11 de Janeiro, o que pressupõe clarificar se os réus ora condenados são ou não funcionários públicos.
Importa ler com atenção o debate promovido pela TVM na terça-feira, 2 de Março de 2010 (no qual tive o privilégio de estar presente no painel principal) e o artigo de Jeremias Langa, publicado no jornal “O País” do dia 5 de Março de 2010, que quanto a nós faz uma abordagem pertinente a respeito do que temos vindo debater. Estão pois de parabéns pela abordagem.
Assism é porque tendo presente que mesmo antes da prolação da citada sentença, em acórdão, no recurso do despacho de pronúncia interposto no caso que envolve o ex-Ministro do Interior, Almerino Manhenje, o Tribunal Supremo explica o que se deve entender por CRIME DE DESVIO DE FUNDOS DE ESTADO, escalpelizando os elementos constitutivos deste tipo legalde crime.
E achamos que o “Supremo” até pode ter razão no que diz, mas não nos coibimos de apresentar o nosso ponto de vista me face do que se ensina em Direito Crminal.
Aliás, é com base neste acórdão que colegas dos mais dversos quadrantes alegam não ser aplicável a lei 1/79, de 11 de Janeiro ao caso “Aeroportos”, termos em que ao Supremo não resta outra saída senao anular a decisão do juiz Marôa.
Não nos simpatizamos com esse posicionamento, como aliás demonstraremos a seguir.
O busílis da questão está em saber-se se os réus ora condenados são ou não considerados funcionários do Estado tendo em atenção a citada lei.
E de facto, numa análise simplista iremos, facilmente concluir que não pois, Cambaza, Antenor e Maria Deolinda Matos eram funcionários de empresa pública (os dois primeiros) e de uma empresa privada participada por duas públicas (a última), sem falarmos do Ministro Munguambe e seu Chefe de Gabinete. Por assim ser, deveriamos considerar nao aplicável a lei 1/79 aos réus em causa, porque esta pune funcionários do Estado.
Porém, com o devido respeito ao posicionamento do Venerando Tribunal Supremo, chamamos atenção para o disposto nos artigos 325 a 327 do Código Penal.
É que o artigo 325 trata da PUNIÇÃO DOS EMPREGADOS PÚBLICOS NOS CASOS NÃO ESPECIFICADOS, que não é aplicável ao caso em apreço pois, existe uma lei especial que regula a punição dos empregados público, no caso, a Lei 1/79. Por assim ser, é essa que deve ser usada para se julgar o caso “Aeroportos de Moçambique”.
Mas, como acima dissemos, dir-se-ia que Diodino Cambaza e outros réus não são funcionários públicos.
E quanto a nós essa posição é defensável do ponto de vista do Direito Administrativo que, como é bom de ver não se adequa ao caso subj udice.
Na verdade, nos termos do artigo 327 é empregado público TODO AQUELE QUE, AUTORIZADO IMEDIATAMENTE PELA DISPOSIÇÃO, OU NOMEADO POR ELEIÇÃO POPULAR OU PELO REI, OU POR AUTORIDADE COMPETENTE, EXERÇA OU PARTICIPA NO EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES PÚBLICAS CIVIS DE QUALQUER NATUREZA.
E tanto quanto se pode depreender, nos termos da Lei nº 17/91, que cria as empresas públicas, o Presidente do Conselho de Administração é nomeado pelo Conselho de Ministros e outros membros do Conselho de Administração são nomeados pelo Ministro da tulela, in casu, Ministro dos Transportes e Comunicações, sob proposta do PCA. A, respectivamente. Porque previsto na lei, o Conselho de Ministros e o Ministro dos Transportes e Comunicações sao autoridades competentes para nomear o PCA e o Conselho de Administração da empresa em questão.
Partindo deste pressuposto não temos dúvidas que os réus são, para efeitos de Direito Criminal, funcionários públicos.
E nas anotações ao artigo 327, de acordo com o Professor Marcelo Caetano as expressões FUNCIONÁRIO PÚBLICO e EMPREGADO PÚBLICO têm o mesmo conteúdo e É INDIFERENTE O EMPREGO DE UMA OU OUTRA (Cfr Manuel Maia Gonçalves, Código Penal Portugues, Livraria Almedina, Coimbra, 1972, apud Marcelo Caetano, Manual, 8ª edição, p. 582, e parecer da PGR de 24 de Março de 1959, DG, de 11 de Julho de 1959).
Mas mais do que isso, o conceito de empregado público dado no artigo 327 é mais amplo do que o fornecido pela ordem administrativa e nos termos dos pareceres da PGR n°s 60/57 e 98/58, publicados no Boletim do Ministério da Justiça (em Portugal) n°s 88 (pp 196 e ss) e 91 (pp 388 e ss) [op cit].
No parecer de MANUEL MAIA LOPES GONÇALVES no processo 30787 publicado no BMJ nº 112, pp 375 e ss: PARA A DELIMITAÇÃO DO CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO, É MISTER QUE SE NÃO ABSTRAIA DO SECTOR DA ORDEM PÚBLICA EM QUE TAL CONCEITO SE INTEGRA. É QUE A NOÇÃO VARIA CONSOANTE O RAMO DE DIREITO QUES E APLICA, E, ADENTRO DE CADA RAMO, AINDA PODE VARIAR DE SECTOR PARA SECTOR.
E Maia Gonçalves não pára por aqui. É que a interpretação feita não é por analogia nem extensiva (como supõem muitos colegas), mas por mera interpretação declarativa do artigo 327 e, por assim ser, O CONCEITO MAIS AMPLO DE EMPREGADO PÚBLICO É O CONCEITO PENAL!
É que os fins específicos da tutela penal não se compadece com a fórmula restrita, que exclui-se designadamente aqueles a quem são acometidas funções em serviços públicos sem permanência bastante para que, em Direito Administrativo, possam qualificar-se como funcionários públicos.
E considerar o contrário seria assumir um Estado extremamente perigoso e lamacento, permitindo que os membros do Conselho de Administração dispusessem a seu bel talante dos bens das empresas públicas, socorrendo-se do argumento de que as EP possuem autonomia administrativa, financeira e patrimonial!
Até porque não nos parece que o Estado (em alguns caso – como o é o dos Aeroportos de Moçambique – sócio único) tenha criado as EP para fins diversos dos por si prosseguidos. Na verdade, o Estado as criou para regular os preços no mercado, satisfazer os interesses da maioria, inter alias.
Mais ainda, no que se refere a trabsformação das Empresas Estatais para Empresas Públicas é essencialmente forma, isto é, o Estado procurou dar outra forma as suas empresas, considerando o contexto sócio-económico em 1991, caracterizado por transformações políticas e económicas, garantindo maior competitividade as empresas do Estado.
Para nós Dimas Marôa (como aliás acontece frequentemente) considerou Cambaza e outros para efeitos penais funcionários público (e muito bem quanto a nós), porque desempenhavam funções públicas, não obstante poderem ser ser livremente nomeados ou exonerados.
Citando ainda MAIA GONÇALVES: Independentemente do formalismo de investimento de que cura o Direito Administrativo, é funcionário público para efeitos penais, segundo próprio dizer do comando legal, todo aquele que exerce ou participa no exercício de funções públicas civis de qualquer natureza. É fundamentalmente, a natureza das funções exercidas que dita e empresta a qualidade de funcionário a quem as exerce... A mens legis está na necessidade de evitar subterfúgios na defesa penal da coisa pública.
É, pois, por estes motivos que sustentamos com suficiente musculatura a sábia decisão do juiz Dimas Maroa no caso “Aeroportos de Moçambique” e, por consequência, nao vemos como possa a decisão do “Supremo” por em casua aquela decisão.

Temos dito.

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