sábado, 16 de outubro de 2010

O CRITÉRIO PARA A DETERMINAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO NA CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES

Introdução

Pretendemos com este singelo exercício proceder a uma análise crítica ao critério fixado no nº 2 do artigo 53 do Código de Processo Civil , relativamente à determinação do valor da causa, nos casos em que haja cumulação de execuções, numa determinada acção executiva.

Partimos do conceito de cumulação de execuções, passando pela enumeração e breve explicação dos requisitos para que seja possível proceder-se à cumulação de execuções e o critério que se deve seguir para a determinação da forma de processo em caso de cumulação. Por outro lado, entendemos ser imperiosa a análise do artigo 465 do mesmo código, relativamente à determinação da forma de processo nas acções executivas.

É, pois, nosso objectivo, demonstrar que o citado nº 2 do artigo 53 está longe de fazer sentido, tendo por base as revisões ocorridas em 2005 e 2009, pelo que urge emendar a referida disposição legal, com grande impacto na prática do judiciários e dos cultores forenses. Mais ainda, é nosso entendimento que com o actual estado de coisas, a diversificação da forma de processo deve constituir obstáculo à cumulação de execuções, para além do que vem previsto no nº 1 do artigo 53 do CPC.

1. A Cumulação de Execuções

Conforme dispõe artigo 53 do CPC, por razões de economia do juízo e, até, no da probidade processual, que pode o credor cumular execuções, seja qual for a natureza do título, o valor de cada uma das execuções e a espécie da medida coactiva. Portanto, o Código não obriga o credor a cumular execuções, mas sim dá-lhe uma 'faculdade' de assim proceder.

São quatro as condições de cumulação:

(i) Respeitar a singularidade do devedor (contra o mesmo devedor, art. 53.º, n.º 1);
(ii) Competência do tribunal (deve ser o mesmo tribunal competente para todas as execuções, art. 53.º, n.º 1, al. a);
(iii) As execuções devem ter o mesmo fim – art. 53.º, n.º 1, al. b);
(iv) as execuções devem corresponder o mesmo fim, isto é, não pode um dos títulos exigir processo especial diferente dos empregados quanto aos outros – art. 53.º, n.º 1, al. c).

A cumulação pode ser inicial, se for feita à data da propositura da acção (art. 53.º), ou sucessiva, se for feita depois da entrada da acção na secretaria e enquanto a execução não for julgada extinta (art. 54.º). Porém, deverá respeitar os requisitos aí estabelecidos, primeiro que não exista nenhuma circunstância que impeça a cumulação no geral ou que a nova execução corresponda a mesma forma do processo empregue na execução pendente (sob ponto de vista do valor).

O desrespeito dos requisitos estabelecidos para a cumulação (art. 53.º) dá azo a que o executado se oponha à execução com fundamento na cumulação indevida de execuções [(art. 813º, al. d)] .

2. As formas de processo nas acções executivas

Com o advento dos Decretos-lei 1/05 e 1/09 não só suprimiu-se a forma de processo sumaríssimo , como também se fixou um novo critério para a determinação da forma de processo comum (ordinária e sumária). Nestes termos, a forma de processo é determinada tendo por base a natureza do título executivo.
Daí que seguem a forma ordinária, nos termos do artigo art. 465.º, n.º 1 do CPC:
i) execuções que se fundem num título executivo que não seja decisão judicial condenatória ou de tribunal arbitral - al. a);
ii) execuções que se fundem em sentença judicial ou arbitral que condene no cumprimento de obrigação que carece de ser liquidada em execução de sentença e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético al. b).

Nesta conformidade, seguirão a forma sumária, como se expende no art. 465.º, n.º 2 do mesmo diploma legal a execução fundada em acta de conciliação ou mediação, decisão judicial condenatória ou arbitral, ainda que ilíquida mas que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético.
Assim, temos pois que concluir que o legislador impôs que a determinação da forma de processo nas execuções estivesse independente do valor da acção .
3. Ponto de contradição
Ora, sendo certo que o valor da causa irreleva para efeitos de determinação do valor da causa, é com espanto que nos termos do nº 2 do artigo 53 do CPC, relativamente à cumulação de execuções se diga que “a forma de processo a observar é a que corresponder à soma dos pedidos cumulados.”
Um exemplo simples permite desnudar a contradição patente entre os artigos 53, nº 2 e 465 do CPC. Se o exequente pretende cumular duas execuções, sendo que serve de título executivo para a primeira uma sentença condenatória que condene no cumprimento de obrigação líquida e noutra execução o título executivo é, um escrito particular do devedor, reconhecendo uma dívida , a questão que paira no ar é: sob que forma de processo seguirá o processo resultante da cumulação dessas duas execuções? É que no primeiro caso a forma de processo é sumária e no segundo, ordinária, seja qual for o valor de cada um dos pedidos cumulados.
Defendemos com suficiente musculatura que o critério do nº 2 do artigo 53 está completamente desajustado à realidade criada com as recentes revisões ao Código de Processo Civil, pois não é razoável conceber-se que o mesmo se aplique à realidades que abandonaram o critério por ele estatuído.
Estamos pois, perante uma situação em que o artigo 53, nº 2 do CPC não acompanhou a evolução que o Código de Processo Civil teve.
Aliás, por algum motivo o legislador instituiu as formas de processo na acção executiva . É que apesar de com a acção executiva se requerer as providências adequadas à reparação efectiva de um direito violado e, não estar em causa a declaração judicial sobre uma questão material controvertida, uma vez haver a quase certeza da existência da obrigação consubstanciada no título executivo , casos há em que a aparente omnipotência do Exequente é posta em causa. É que apesar de, em regra, os embargos não suspenderem a execução, quando o Exequente presta caução ou o se o Executado alegar – nos embargos de executado – a falsidade da assinatura e juntar documento constitutivo de princípio de prova, nos casos de execuções baseadas em escrito particular com assinatura do devedor não reconhecida no Notário, esta é suspensa .
Ao assim proceder o legislador pretende criar um mecanismo de maior protecção ao Executado, uma vez eliminada a exigência de reconhecimento da assinatura do devedor por Notário, podendo este alegar a não genuinidade da assinatura que lhe é atribuída pelo Exequente.
4. Conclusão
E se essa possibilidade de suspensão da execução não pode ocorrer nos casos em que a execução tem por base uma sentença condenatória, temos cá para nós que as execuções seguem uma tramitação manifestamente incompatível. E aqui assumimos a ousadia de aplicar o regime previsto no artigo 31 do CPC que cura dos obstáculos à coligação, pois no caso, às execuções correspondem formas de processo diferentes e a sua tramitação é manifestamente incompatível, para obstar a que haja cumulação de execuções .
E se seguem uma tramitação manifestamente incompatível – considerando que o critério para a determinação da forma de processo nas execuções não é o valor da acção – nos parecer razoável concluir que a diversificação das formas de processo nas execuções é, também, obstáculo à cumulação de execuções, pois o artigo 53, nº 2 do CPC está desfasado da realidade.

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