sábado, 27 de agosto de 2011

A POSSIBILIDADE INDEFERIMENTO LIMINAR EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO


É recorrente – para quem anda nos meios forenses – deparar-se, nos últimos tempos, com decisões pouco consentâneas com as regras básicas do Direito, sobretudo quando estas emanam de um tribunal à altura do Tribunal Supremo. Mais especificamente, pergunta-se se pode o Juiz do Tribunal Supremo proferir o despacho liminar de indeferimento em sede de um recurso de Apelação .

Procuraremos, no presente artigo, demonstrar que o Juiz só pode proferir o despacho de indeferimento liminar em primeira instância, isto é, nos termos do previsto no artigo 474 do Código de Processo Civil, uma vez que admitindo o contrário, não custa perceber o cortejo de inconvenientes que desse entendimento possam resultar.

Confrontamo-nos há dias com uma acção especial de liquidação da conta em participação em benefício das partes, proposta no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, com fundamento no facto de o Tribunal Supremo ter declarado inepta a petição inicial, pedindo que fosse apensado ao processo em relação ao qual foi interposto o recurso, assim como à Providencia Cautelar respectiva, que correram os seus termos no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, supostamente para aproveitar os documentos juntos aos autos, em alusão ao princípio da economia processual.

É que em 22 de Outubro de 1999, foi intentada uma acção com processo especial de prestação de contas, para que a Ré apresentasse as contas da operação de venda de castanha de caju referentes a campanha agrícola 1998/1999, em resultado de uma alegada Joint Venture acordada entre a A. e a Ré.

Apesar de a Ré ter fundamentado em sede de contestação que a A. usou uma forma imprópria do processo, o Tribunal procedeu à convolação da acção especial de verificação e apresentação de contas em acção de liquidação da conta em participação, dando prosseguimento os autos, facto que culminou com liquidação das contas e condenação da Ré.

Não conformando com a sentença proferida em primeira instância, a Ré interpôs o competente recurso de apelação ao Tribunal Supremo, tendo este declarado inepta a petição inicial e por conseguinte, proferido o despacho liminar de indeferimento do requerimento inicial.

Como é bom de ver, não pode colher a posição do Venerando tribunal Supremo.

Ora, o Tribunal de primeira instância se tivesse declarado inepta a petição inicial, teria consequentemente que indeferi-la liminarmente. Porém, tendo proferido despacho de citação, não haverá mais lugar a indeferimento liminar, já que, conforme Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3ª Edição, “despacho liminar é o primeiro despacho que o juiz profere no processo em acção declarativa, no momento em que daquele consta tão-somente a petição inicial” .

E outro não podia ser o entendimento, uma vez que esse despacho liminar já havia antes sido proferido pelo Tribunal de primeira instância. Aliás, como refere a alínea a) do n°1 do artigo 474° do C.P.C, se a petição for logo considerada inepta, esta deve ser indeferida liminarmente, não chegando assim a existir o processo.

Contudo, compulsando o referido acórdão do Tribunal Supremo resulta claro que este veio dar razão a Ré, ao considerar inepta a petição inicial da A. Portanto, tendo o Tribunal Supremo declarado essa ineptidão, fica nulo e de nenhum efeito todo o processado, nos termos conjugados da alínea a) do nº 1 do artigo 494º e do nº 1 do artigo 193º do C.P.C.

Ora, sendo nulo todo o processo, deve entender-se que a presente acção é nova, não gozando a A. do benefício concedido nos termos do artigo 476° do C.P.C, pois este apenas é aplicável nos casos do indeferimento liminar da acção declarada pelo tribunal da primeira instância. Como se disse, no caso presente, foram já proferidos vários despachos judiciais a seguir à petição inicial.

Não pode, por isso, a nova acção correr por apenso ao processo inicial, que foi declarado nulo, muito menos à providência cautelar que se encontrava dependente do mesmo processo.

Aliás, decorre do nº 2 do artigo 199º do C.P.C que os actos já praticados não aproveitam a acção, quando diminuem as garantias do Réu. É que nos presentes autos, a A. vem requerer a realização de uma auditoria independente sobre contas dos anos 1998/1999, que nos termos da legislação fiscal vigente (artigo 46° do Regulamento do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto nº 9/08 de 16 de Abril), os respectivos documentos deixaram de ser exigíveis pelo decurso de tempo.
Não pode, portanto, ser defensável a possibilidade de em sede de recurso de apelação proferir-se o despacho de indeferimento liminar pelas razões acima indicadas, por um lado, e, por outro, pelo simples facto de não poder-se, no mesmo processo, proferir-se mais do que um despacho liminar. A única possibilidade de se proferir mais do que um despacho liminar, como ensina Tomás Timbane , é a que vem prevista no artigo 477 do CPC, nos casos em que tendo o autor sido convidado a corrigir a petição inicial, por falta de indicação da data da ocorrência de determinados factos, e acedido favoravelmente, se constatar que o direito de propositura da acção caducara. Ainda assim, é fácil perceber que nem mesmo esta possibilidade se cogita em sede de um recurso de apelação, mesmo que o Tribunal Supremo julgue em primeira instância.

É, pois, este, a nossa posição sobre a questão que acima se levanta.